Brasília, 8 a 12 de maio de 2017 - Nº 864.
Este Informativo, elaborado com base em notas tomadas nas sessões de julgamento das Turmas e do Plenário, contém resumos de decisões proferidas pelo Tribunal. A fidelidade de tais resumos ao conteúdo efetivo das decisões, embora seja uma das metas perseguidas neste trabalho, somente poderá ser aferida após a sua publicação no Diário da Justiça.
SUMÁRIO
Plenário
Cotas raciais: vagas em cargos e empregos públicos e mecanismo de controle de fraude
Repercussão Geral
Propositura da ação: associação e momento para a filiação - 2
Sucessão e regime diferenciado para cônjuges e companheiros
Direito sucessório e distinção entre cônjuge e companheiro - 3
1ª Turma
Lavagem de dinheiro, prescrição e crime permanente
2ª Turma
Homologação de declaração de concordância do extraditando
Transcrições
Responsabilidade penal objetiva - Inexistência - Nexo de causalidade - Descrição necessária - Princípio da confiança - Teoria do domínio do fato - Crimes culposos - Inaplicabilidade (HC 138.637/SP)
Inovações Legislativas
PLENÁRIO
DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Cotas raciais: vagas em cargos e empregos públicos e mecanismo de controle de fraude
O Tribunal iniciou julgamento de ação declaratória de constitucionalidade em relação à Lei federal 12.990/2014. A norma reserva aos candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos e empregos públicos. Prevê também que, na hipótese de constatação de declaração falsa, o candidato será eliminado do concurso e, se houver sido nomeado, ficará sujeito à anulação da sua admissão, após procedimento administrativo. A lei ainda dispõe que a nomeação dos candidatos aprovados respeitará os critérios de alternância e proporcionalidade, que consideram a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas a candidatos com deficiência e a candidatos negros.
O ministro Roberto Barroso (relator) julgou procedente a ação. Ele foi acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber e Luiz Fux.
Inicialmente, enfrentou a questão das cotas raciais em três planos de igualdade, tal como compreendida na contemporaneidade: (a) formal; (b) material; e (c) como reconhecimento.
Segundo o relator, a igualdade formal impede o estabelecimento, pela lei, de privilégios e diferenciações arbitrárias entre as pessoas, isto é, exige que o fundamento da desequiparação seja razoável e que o fim almejado seja compatível com a Constituição. No caso analisado, o fundamento e o fim são razoáveis, motivados por um dever de reparação histórica e por circunstâncias que explicitam um racismo estrutural na sociedade brasileira a ser enfrentado.
Quanto à igualdade material, observou que o racismo estrutural gerou uma desigualdade material profunda. Desse modo, qualquer política redistributivista precisará indiscutivelmente assegurar vantagens competitivas aos negros.
Enfatizou, em relação à igualdade como reconhecimento, que esse aspecto identifica a igualdade quanto ao respeito às minorias e ao tratamento da diferença de um modo geral. Significa respeitar as pessoas nas suas diferenças e procurar aproximá-las, igualando as oportunidades. A política afirmativa instituída pela Lei 12.990/2014 tem exatamente esse papel.
O ministro frisou haver uma dimensão simbólica importante no fato de negros ocuparem posições de destaque na sociedade brasileira. Além disso, há um efeito considerável sobre a autoestima das pessoas. Afinal, cria-se resistência ao preconceito alheio. Portanto, a ideia de pessoas negras e pardas serem símbolo de sucesso, ascensão e terem acesso a cargos importantes influencia a autoestima das comunidades negras. Ademais, o pluralismo e a diversidade tornam qualquer ambiente melhor e mais rico.
Segundo o ministro relator, a lei em análise supera com facilidade o teste da igualdade formal, material e como reconhecimento.
Afastou a alegada violação ao princípio do concurso público. Afinal, para serem investidos em cargos públicos, os candidatos negros têm de ser aprovados em concurso público. Caso não atinjam o patamar mínimo, sequer disputarão aquelas vagas. Observou que apenas foram criadas duas formas distintas de preenchimento de vagas, sem abrir mão do critério mínimo de suficiência. Previram-se duas filas diversas em razão de reparações históricas.
Rejeitou a apontada violação ao princípio da eficiência. Registrou que a ideia de que necessariamente os aprovados em primeiro lugar por um determinado critério sejam necessariamente melhores do que os outros é uma visão linear da meritocracia. Tal conceito já havia sido rechaçado pelo ministro Ricardo Lewandowski no julgamento da ADPF 186/DF (DJE de 20.10.2014), segundo o qual a noção de meritocracia deve comportar nuances que permitam a competição em igualdade de condições.
Para o ministro Roberto Barroso, há um ganho importante de eficiência. Afinal a vida não é feita apenas de competência técnica, ou de capacidade de pontuar em concurso, mas possui uma dimensão de compreensão do outro e de variadas realidades. A eficiência pode ser muito bem-servida pelo pluralismo e pela diversidade no serviço público.
O relator também não vislumbrou ofensa ao princípio da proporcionalidade. Para ele, a demanda por reparação histórica e ação afirmativa não foi suprida pelo simples fato de existirem cotas para acesso às universidades públicas. O impacto das cotas raciais não se manifesta no mercado de trabalho automaticamente, pois há um tempo de espera até que essas pessoas estudem, se formem e se tornem competitivas. Ademais, seria necessário considerar estar-se tratando das mesmas pessoas que entraram por cotas, as que estariam disputando as vagas nos concursos.
Reputou que a proporção de 20% escolhida pelo legislador é extremamente razoável. Se a submetêssemos a um teste de proporcionalidade em sentido estrito, também não haveria problema, porque 20%, em rigor, representariam menos da metade do percentual de negros na sociedade brasileira.
Quanto à questão da autodeclaração, prevista no parágrafo único do art. 2º da lei, asseverou que se devem respeitar as pessoas tal como elas se autopercebem. Entretanto, não é incompatível com a Constituição, observadas algumas cautelas, um controle heterônomo, sobretudo quando existirem fundadas razões para acreditar que houve abuso na autodeclaração.
Acrescentou que, para dar concretude a esse dispositivo, é legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação para fins de concorrência pelas vagas reservadas para combater condutas fraudulentas e garantir que os objetivos da política de cotas sejam efetivamente alcançados, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana e garantidos o contraditório e ampla defesa. Citou, como exemplos desses mecanismos, a exigência de autodeclaração presencial perante a comissão do concurso, a exigência de fotos e a formação de comissões com composição plural para entrevista dos candidatos em momento posterior à autodeclaração.
Para o relator, a reserva de vagas vale para todos os órgãos e, portanto, para todos os Poderes. Os Estados e os Municípios também podem seguir a mesma linha.
Quanto aos critérios de alternância e proporcionalidade na nomeação dos candidatos, o relator deu exemplo sobre a forma correta de interpretar a lei. No caso de haver vinte vagas, quatro seriam reservadas a negros, com a seguinte sequência de ingresso: primeiro colocado geral, segundo colocado geral, terceiro colocado geral, quarto colocado geral, até que o quinto colocado seria o primeiro colocado entre os negros, e assim sucessivamente. Dessa forma, não se poderia colocar os aprovados da lista geral primeiro e somente depois os aprovados por cotas.
O ministro Alexandre de Moraes consignou que a Lei 12.990/2014 é federal, logo é válida para todos os Poderes e órgãos da União. Não é possível, em virtude da autonomia dos Estados e dos Municípios, ampliar sua abrangência.
Acrescentou que a lei é constitucional apenas quanto ao provimento inicial dos cargos e empregos públicos. Após o ingresso na carreira, o sistema de cotas não deve ser usado na ascensão interna, a qual se dá mediante concursos internos de promoção e remoção que possuem critérios específicos, determinados pela Constituição, de antiguidade e merecimento.
O ministro Edson Fachin entendeu que a política de cotas raciais se aplica direta e imediatamente a todos os órgãos e instituições da Administração Pública. Considerou, ainda, que o art. 4º da Lei 12.990/2014 se projeta não apenas na nomeação, mas em todos os momentos da vida funcional dos servidores públicos cotistas.
A ministra Rosa Weber acompanhou o voto do relator na íntegra.
Para o ministro Luiz Fux, o percentual estabelecido pela lei se aplica também em relação a promoções e remoções. Afirmou que, por se tratar de política pública calcada no preâmbulo da Constituição Federal, a lei vale para todos os Poderes da República e para todas as unidades federadas.
Em seguida, o julgamento foi suspenso.
ADC 41/DF, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 11.5.2017. (ADC-41)
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DIREITO PROCESSUAL - REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL
Propositura da ação: associação e momento para a filiação - 2
A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação jurídica juntada à inicial do processo de conhecimento.
Com base nesse entendimento, o Plenário, apreciando o Tema 499 da repercussão geral, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário e declarou a constitucionalidade do art. 2º-A (1) da Lei 9.494/1997.
No caso, determinada associação propôs ação coletiva ordinária contra a União. O objetivo era a repetição de valores descontados a título de imposto de renda de servidores, incidente sobre férias não usufruídas por necessidade do serviço.
Com a procedência do pleito no processo de conhecimento e o subsequente trânsito em julgado, foi deflagrado, por associação, o início da fase de cumprimento de sentença. Nesta, o tribunal de origem assentou, em agravo, a necessidade de a primeira peça da execução vir instruída com documentação comprobatória de filiação do associado em momento anterior ou até o dia do ajuizamento da ação de conhecimento, conforme o art. 2º-A, parágrafo único, da Lei 9.494/1997, incluído pela Medida Provisória 2.180-35/2001 (vide Informativo 863).
O Plenário ressaltou que, ante o conteúdo do art. 5º, XXI (2), da Constituição Federal, autorização expressa pressupõe associados identificados, com rol determinado, aptos à deliberação. Nesse caso, a associação, além de não atuar em nome próprio, persegue o reconhecimento de interesses dos filiados. Decorre daí a necessidade da colheita de autorização expressa de cada associado, de forma individual, ou mediante assembleia geral designada para esse fim, considerada a maioria formada.
Enfatizou que a enumeração dos associados até o momento imediatamente anterior ao do ajuizamento se presta à observância do princípio do devido processo legal, inclusive sob o enfoque da razoabilidade. Por meio da enumeração, presente a relação nominal, é que se viabilizam o direito de defesa, o contraditório e a ampla defesa. Reputou que a condição de filiado é pressuposto do ato de concordância com a submissão da controvérsia ao Judiciário.
Vencido o ministro Ricardo Lewandowski, que deu provimento ao recurso para afastar a exigência de prévia filiação para que o associado possa executar a sentença proferida em ação coletiva de rito ordinário. Para o magistrado, o legislador ordinário restringiu, indevidamente, o alcance dos dispositivos constitucionais que garantem o amplo acesso à Justiça e a representatividade das associações quanto aos seus associados.
Vencido, em parte, o ministro Edson Fachin, que deu parcial provimento ao recurso extraordinário, na linha do ministro Ricardo Lewandowski, mas restringiu a condição de filiado até a época da formação do título exequendo.
Vencido, em parte, o ministro Alexandre de Moraes que proveu parcialmente o extraordinário para dar interpretação conforme quanto à circunscrição.
(1) Lei 9.494/1997: “Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator. Parágrafo único. Nas ações coletivas propostas contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, a petição inicial deverá obrigatoriamente estar instruída com a ata da assembleia da entidade associativa que a autorizou, acompanhada da relação nominal dos seus associados e indicação dos respectivos endereços.”
(2) CF/1988: “Art. 5º (...) XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;”
RE 612043/PR, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10.5.2017. (RE-612043)
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DIREITO CIVIL - SUCESSÃO
Sucessão e regime diferenciado para cônjuges e companheiros
No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil.
Com base nesse entendimento, o Plenário, ao apreciar o Tema 498 da repercussão geral, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário para reconhecer, de forma incidental, a inconstitucionalidade do art. 1.790 (1) do Código Civil de 2002 e declarar o direito do recorrente de participar da herança de seu companheiro, em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do referido código.
No caso, o tribunal de origem assentou que os companheiros herdam apenas os bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, quando presentes os requisitos do art. 1.790 do Código Civil de 2002. Consignou ser imprópria a equiparação da figura do companheiro à do cônjuge e afastou a aplicação do art. 1.829, I e II (2), do citado diploma legal. Ao interpretar o art. 226, § 3º (3), da Constituição Federal (CF), concluiu que não estariam igualados, para todos os fins, os institutos do casamento e da união estável.
O Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou que a Constituição prevê diferentes modalidades de família, além da que resulta do casamento. Entre essas modalidades, está a que deriva das uniões estáveis, seja a convencional, seja a homoafetiva.
Frisou que, após a vigência da Constituição de 1988, duas leis ordinárias equipararam os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável (Lei 8.971/1994 e Lei 9.278/1996).
O Código Civil, no entanto, desequiparou, para fins de sucessão, o casamento e as uniões estáveis. Dessa forma, promoveu retrocesso e hierarquização entre as famílias, o que não é admitido pela Constituição, que trata todas as famílias com o mesmo grau de valia, respeito e consideração.
O art. 1.790 do mencionado código é inconstitucional, porque viola os princípios constitucionais da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso.
Na espécie, a sucessão foi aberta antes de ser reconhecida, pelo STF, a equiparação da união homoafetiva à união estável e antes de o Conselho Nacional de Justiça ter regulamentado o casamento de pessoas do mesmo sexo. Tal situação impede a conversão da união estável em casamento, nos termos do art. 226, § 3º, da CF. Diante disso, a desequiparação é ainda mais injusta.
Vencidos os ministros Marco Aurélio (relator) e Ricardo Lewandowski, que negaram provimento ao recurso.
O ministro Marco Aurélio pontuou ser constitucional o regime sucessório previsto no art. 1.790 do Código Civil de 2002, que rege a união estável, independentemente da orientação sexual dos companheiros.
O ministro Ricardo Lewandowski entendeu que a distinção entre casamento e união estável feita pelo constituinte (CF/1988, art. 226, § 3º) justifica o tratamento diferenciado no que diz respeito ao regime sucessório das pessoas que optam por uma dessas duas situações ou por um desses dois regimes.
(1) Código Civil/2002: “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”
(2) Código Civil/2002: “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais.”
(3) CF/1988: “Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”
RE 646721/RS, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgamento em 10.5.2017. (RE-646721)
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DIREITO CIVIL - SUCESSÃO
Direito sucessório e distinção entre cônjuge e companheiro - 3
No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no artigo 1.829 do Código Civil.
Com base nesse entendimento, o Plenário, ao apreciar o Tema 809 da repercussão geral, por maioria, deu provimento ao recurso extraordinário para reconhecer, de forma incidental, a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil de 2002 (1) e declarar o direito da recorrente a participar da herança de seu companheiro, em conformidade com o regime jurídico estabelecido no art. 1.829 do referido código (2) (vide Informativos 837 e 859).
No caso, a recorrente vivia em união estável, em regime de comunhão parcial de bens, há cerca de nove anos, até seu companheiro falecer, sem deixar testamento. O falecido não tinha descendentes nem ascendentes, apenas três irmãos.
O tribunal de origem, com fundamento no art. 1.790, III, do Código Civil de 2002, limitou o direito sucessório da recorrente a 1/3 dos bens adquiridos onerosamente durante a união estável, excluídos os bens particulares do falecido, os quais seriam recebidos integralmente pelos irmãos. Porém, se fosse casada com o falecido, a recorrente teria direito à totalidade da herança.
O Supremo Tribunal Federal afirmou que a Constituição contempla diferentes formas de família, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. Portanto, não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada por casamento e a constituída por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares mostra-se incompatível com a Constituição.
O art. 1.790 do Código Civil de 2002, ao revogar as Leis 8.971/1994 e 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou companheiro), dando-lhe direitos sucessórios inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade na modalidade de proibição à proteção deficiente e da vedação ao retrocesso.
A Corte ainda ressaltou que, com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado aplica-se apenas aos inventários judiciais em que a sentença de partilha não tenha transitado em julgado e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública.
Vencidos os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski, que negaram provimento ao recurso. Para eles, a norma civil apontada como inconstitucional não hierarquiza o casamento em relação à união estável, mas acentua serem formas diversas de entidades familiares. Nesse sentido, ponderaram que há de ser respeitada a opção dos indivíduos que decidem submeter-se a um ou a outro regime.
(1) Código Civil/2002: “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;”
(2) Código Civil/2002: “Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais.”
RE 878694/MG, rel. Min. Roberto Barroso, julgamento em 10.5.2017. (RE-878694)
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PRIMEIRA TURMA
DIREITO PROCESSUAL PENAL - DENÚNCIA
Lavagem de dinheiro, prescrição e crime permanente
A Primeira Turma iniciou julgamento de ação penal em que se imputa a prática do delito de lavagem de dinheiro a parlamentar.
Na denúncia, considerando o que pende de exame pelo Supremo Tribunal Federal, os fatos delituosos foram organizados em cinco grupos fático-delitivos.
O primeiro refere-se à ocorrência de ocultação e dissimulação da origem, natureza e propriedade de recursos ilícitos entre 1993 e 2002, em contas-correntes localizadas na Suíça. O segundo também diz respeito à ocultação e dissimulação da origem, natureza e propriedade de recursos ilícitos, porém no período de 1997 a 2001, em contas na Inglaterra.
O terceiro fato delituoso reporta-se à conduta do acusado, na qualidade de diretor de empresa registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, de orientar e comandar a conversão de ativos ilícitos em ADRs (“American Depositary Receipts”) de outra pessoa jurídica, com o fim de dissimular a sua utilização.
O quarto fato delituoso relaciona-se à ocorrência de imputações de ocultação e dissimulação da origem de recursos ilícitos, bem como da movimentação e transferência desses valores, a fim de ocultar e dissimular sua utilização, entre 1997 e 2006, por meio de doze contas-correntes na Ilha de Jersey.
O quinto fato delituoso diz respeito à conduta do acusado, na qualidade de representante e beneficiário de pessoa jurídica registrada nas Ilhas Virgens Britânicas, de converter ativos ilícitos em debêntures conversíveis em ações, com o fim de dissimular a sua utilização, no período de 29.7.1997 e 30.7.1998.
Preliminarmente, a defesa requereu o desentranhamento do "Parecer Técnico" que acompanhava a denúncia e a conversão do feito em diligência para realização de perícia oficial pelo Instituto Nacional de Criminalística, sob a alegação de que referido parecer técnico não se presta como prova válida, a substituir o exame de corpo de delito a que se refere o art. 159 (1) do Código de Processo Penal, o qual deve ser elaborado por perito oficial.
O Colegiado, por maioria, rejeitou a preliminar arguida.
Ressaltou que o referido parecer, embora se autoqualifique “técnico”, não ostenta a característica de prova pericial. Trata-se apenas de descrição e compilação dos documentos acostados nos outros 140 volumes apensos aos autos principais. A materialidade delitiva está provada pelos documentos contidos nos autos, e não pela descrição e compilação no parecer. Salientou não haver qualquer opinião técnica especializada nele contida capaz de influir na compreensão sobre a existência, ou não, da atividade criminosa.
Vencido, nesse ponto, o ministro Marco Aurélio, que admitia a preliminar. Para ele, o laudo técnico elaborado por perito oficial é indispensável para a instrução do processo, por se tratar de um crime que deixa vestígios.
No mérito, o ministro Edson Fachin (relator) acolheu a manifestação da defesa quanto à ocorrência da prescrição no tocante ao primeiro, segundo, terceiro e quinto fatos delituosos constantes na denúncia. Salientou o fato de o acusado ter mais de setenta anos, o que faz incidir a regra do art. 115 (2) do Código Penal (CP), que manda computar os prazos prescricionais pela metade. Assim, haja vista que a pena máxima cominada aos delitos imputados é de dez anos de reclusão e que, em 29.9.2011, quando o Supremo Tribunal Federal recebeu parcialmente a denúncia, já haviam se passado mais de oito anos, a punibilidade desse conjunto de fatos está extinta, nos termos dos arts. 107, IV, e 109, II, do CP (3).
O relator entendeu não estar extinta a punibilidade pela prescrição quanto ao quarto fato imputado ao acusado e condenou-o pela prática das condutas descritas no art. 1°, V e § 1º, II, da Lei 9.613/1998 (4).
Pontuou que o crime de lavagem de bens, direitos ou valores praticado na modalidade de ocultação tem natureza de crime permanente. Afirmou que a característica básica dos delitos permanentes, portanto, está na circunstância de que a execução desses crimes não se dá em momento definido e específico. A execução dos crimes permanentes ocorre num alongar temporal. Quem oculta e mantém ocultada alguma coisa permanece ocultando-a até que a coisa se torne conhecida.
Destacou que o prazo prescricional referente ao quarto fato delitivo imputado tem sua contagem iniciada, nos termos do art. 111, III, do CP (5), no dia 11 de maio de 2006, data em que o órgão acusador tomou conhecimento de documentação enviada ao Brasil pelas autoridades de Jersey.
Ressaltou que, de qualquer forma, mesmo que se considerasse instantânea, de efeitos permanentes, a ação de ocultar os bens, direitos e valores, o crime narrado no quarto fato não estaria prescrito. Ainda que parte da doutrina entenda consumar-se o delito de lavagem apenas no momento em que ocorre o encobrimento dos valores, compreendendo a permanência do escamoteamento mera consequência do ato inicial, reconhece-se que, se houver novas movimentações financeiras por parte do agente, estas últimas são atos subsequentes de uma mesma lavagem que começou com o mascaramento inicial.
O ministro Fachin asseverou que as provas dos autos permitem perquirir o caminho percorrido desde a obtenção criminosa dos recursos financeiros. Além disso, possibilitam verificar como as empresas relacionadas nos autos foram utilizadas para a constituição de contas e fundos de investimento com a finalidade de ocultar e dissimular a procedência criminosa de valores e, ainda, com o fim de transformar os ativos ilícitos em aparentemente lícitos.
Nesse contexto, entendeu estar devidamente constatada a materialidade, bem como a autoria do réu, que, entre 1998 e 2006, de forma permanente, ocultou e dissimulou vultosos valores oriundos da perpetração do delito de corrupção passiva. Para isso, utilizou-se de diversas contas bancárias e fundos de investimentos situados na Ilha de Jersey, abertos em nome de empresas “offshores”, com o evidente objetivo de encobrir a verdadeira origem, natureza e propriedade dos referidos aportes financeiros. Configura-se, assim, a prática do crime de lavagem de dinheiro.
Apontou que a conduta do acusado foi dolosa, por visar à ocultação e dissimulação da origem criminosa dos valores que movimentou e manteve ocultos no exterior até, pelo menos, o ano de 2006.
Em seguida, o julgamento foi suspenso.
(1) Código de Processo Penal/1941: “Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. § 1º Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. § 2º Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo”.
(2) Código Penal/1940: “Art. 115. São reduzidos de metade os prazos de prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 (vinte e um) anos, ou, na data da sentença, maior de 70 (setenta) anos”.
(3) Código Penal/1940: “Art. 107. Extingue-se a punibilidade: (...) IV – pela prescrição, decadência ou perempção; (...) Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (...) II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze”.
(4) Lei 9.613/1998: “Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (...) V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; (...) § 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: (...) II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere”.
(5) Código Penal/1940: “Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: (...) III – nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência”.
AP 863/SP, rel. Min. Edson Fachin, julgamento em 9.5.2017. (AP-863)
SEGUNDA TURMA
DIREITO CONSTITUCIONAL - EXTRADIÇÃO
Homologação de declaração de concordância do extraditando
A Segunda Turma resolveu questão de ordem para homologar a declaração de concordância com pedido extradicional apresentada por cidadão português, nos termos da Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Artigo 19). Em consequência, deferiu pedido de extradição formulado pelo Governo da República Portuguesa contra acusado por suposta prática dos crimes de homicídio qualificado, roubo e furto qualificado.
O extraditando, por meio de advogado regularmente constituído, manifestou, de forma expressa, inequívoca e voluntária, anuência em ser imediatamente entregue às autoridades competentes, independentemente da prévia observância das formalidades inerentes ao processo extradicional.
O Colegiado ressaltou que a circunstância de o extraditando se declarar de acordo com o pedido não exonera, em princípio, o Supremo Tribunal Federal do dever de efetuar rígido controle de legalidade, em obediência ao princípio constitucional do devido processo legal.
Entretanto, a Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que substituiu o tratado bilateral de extradição Brasil/Portugal, estabeleceu regime simplificado de extradição, que autoriza a entrega imediata do extraditando às autoridades competentes do Estado requerente, sempre que o súdito estrangeiro manifestar, de forma livre e de modo voluntário e inequívoco, o seu desejo de ser extraditado (1).
A Turma considerou atendido o princípio da dupla tipicidade, já que os delitos imputados ao extraditando também são considerados crimes pelo Direito Penal brasileiro. Também avaliou estar presente o princípio da dupla punibilidade, uma vez que não se verificou nenhuma causa extintiva de punibilidade.
Registrou a obrigatoriedade da observância da detração penal, a fim de que seja deduzido da pena eventualmente imposta ao extraditando o período de prisão cautelar a que foi submetido no Brasil, por efeito exclusivo do processo de extradição. Consignou o respeito ao limite de execução da pena por tempo não superior a trinta anos.
Concluiu no sentido de delegar autorização ao relator da causa para que proceda, em casos futuros, se assim entender pertinente, ao julgamento monocrático dos pleitos extradicionais, sempre que o próprio extraditando, com fundamento em norma convencional autorizativa, manifestar, expressamente, de modo livre e voluntário, com assistência técnico-jurídica de seu advogado ou defensor público, concordância com o pedido de sua extradição. Nessa hipótese, o ato de homologação judicial da referida declaração equivalerá, para todos os efeitos, à decisão final do processo de extradição, ouvida, previamente, a Procuradoria-Geral da República.
(1) Convenção de Extradição entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: “Artigo 19. Extradição simplificada ou voluntária. O Estado requerido pode conceder a extradição se a pessoa reclamada, com a devida assistência jurídica e perante a autoridade judicial do Estado requerido, declarar a sua expressa anuência em ser entregue ao Estado requerente, depois de ter sido informada de seu direito a um procedimento formal de extradição e da proteção que tal direito encerra”.
Ext 1476/DF, rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 9.5.2017. (Ext-1476)
Sessões |
Ordinárias |
Extraordinárias |
Julgamentos |
Julgamentos por meio eletrônico* |
Pleno |
10.5.2017 |
11.5.2017 |
4 |
49 |
1ª Turma |
9.5.2017 |
— |
1 |
60 |
2ª Turma |
9.5.2017 |
— |
12 |
47 |
* Emenda Regimental 51/2016-STF. Sessão virtual de 05 a 11 de maio de 2017.
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.
Responsabilidade penal objetiva – Inexistência – Nexo de causalidade – Descrição necessária – Princípio da confiança – Teoria do domínio do fato – Crimes culposos – Inaplicabilidade (Transcrições)
HC 138.637/SP*
Relator: Ministro Celso de Mello
EMENTA: Homicídio culposo. Acidente em parque de diversões. Imputação desse evento delituoso ao Presidente e Administrador do Complexo Hopi Hari. Inviabilidade de instaurar-se persecução penal contra alguém pelo fato de ostentar a condição formal de “Chief Executive Officer” (CEO). Precedentes. Doutrina. Necessidade de demonstração, na peça acusatória, de nexo causal que estabeleça relação de causa e efeito entre a conduta atribuída ao agente e o resultado dela decorrente (CP, art. 13, “caput”). Magistério doutrinário e jurisprudencial. Inexistência, no sistema jurídico brasileiro, da responsabilidade penal objetiva. Prevalência, em sede criminal, como princípio dominante do modelo normativo vigente em nosso País, do dogma da responsabilidade com culpa. “Nullum crimen sine culpa”. Não se revela constitucionalmente possível impor condenação criminal por exclusão, mera suspeita ou simples presunção. O princípio da confiança, tratando-se de atividade em que haja divisão de encargos ou de atribuições, atua como fator de limitação do dever concreto de cuidado nos crimes culposos. Entendimento doutrinário. Inaplicabilidade da teoria do domínio do fato aos crimes culposos. Doutrina. “Habeas corpus” deferido.
DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus” impetrado contra decisão que, proferida pelo E. Superior Tribunal de Justiça, está assim ementada:
“AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL DECIDIDO MONOCRATICAMENTE. ART. 255, § 4º, III, DO RISTJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 568/STJ. CERCEAMENTO DE DEFESA E OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA. ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. REQUISITOS ATENDIDOS.
.......................................................................................................
HOMICÍDIO CULPOSO. ACIDENTE EM PARQUE DE DIVERSÕES. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL EM SEDE DE ‘HABEAS CORPUS’. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA. INSURGÊNCIA DESPROVIDA.
1. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que o trancamento da ação penal por meio do ‘habeas corpus’ só é cabível quando houver a comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta supostamente praticada, seja da ausência de indícios de autoria e materialidade delitivas ou, ainda, da incidência de causa de extinção da punibilidade.
2. Na hipótese dos autos, pelas suas particularidades específicas, o afastamento do nexo de causalidade entre a suposta conduta omissiva do agravado, na condição de dirigente do estabelecimento, e o acidente que resultou na morte da usuária é questão a ser debatida ao longo da instrução processual, não havendo, no caso, como se atestar, de pronto, a falta de justa causa, em especial na via estreita do ‘writ’.
3. Agravo regimental desprovido.”
(REsp 1.502.544-AgRg/SP, Rel. Min. JORGE MUSSI – grifei)
Busca-se, na presente sede processual, seja determinada a extinção do procedimento penal instaurado contra o ora paciente, que estaria sofrendo persecução criminal em situação alegadamente configuradora de típica responsabilidade penal objetiva.
O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da República Dra. CLÁUDIA SAMPAIO MARQUES, opinou pelo não conhecimento do “writ”.
Sendo esse o contexto, passo a analisar a matéria veiculada na presente impetração. E, ao fazê-lo, observo, inicialmente, que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, inclusive em sede de persecução penal “in judicio”, apoiando-se em autorizado magistério doutrinário (JULIO FABBRINI MIRABETE, “Código de Processo Penal Interpretado”, p. 1.426/1.427, 7ª ed., 2000, Atlas, v.g.), tem admitido a possibilidade de indagação da existência de justa causa, mesmo na via sumaríssima do processo de “habeas corpus”, desde que não ocorra situação de iliquidez no que se refere aos fatos subjacentes ao procedimento penal (RT 747/597, Rel. Min. SYDNEY SANCHES – RT 753/507, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 83.674/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO – HC 86.120/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.):
“Em sede de ‘habeas corpus’, só é possível trancar ação penal em situações especiais, como nos casos em que é evidente e inafastável a negativa de autoria, quando o fato narrado não constitui crime, sequer em tese, e em situações similares, onde pode ser dispensada a instrução criminal para a constatação de tais fatos (…).”
(RT 742/533, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – grifei)
“‘PERSECUTIO CRIMINIS’ – JUSTA CAUSA – AUSÊNCIA.
A ausência de justa causa deve constituir objeto de rígido controle por parte dos Tribunais e juízes, pois ao órgão da acusação penal – trate-se do Ministério Público ou de mero particular no exercício da querela privada – não se dá o poder de deduzir imputação criminal de modo arbitrário. Precedentes.
O exame desse requisito essencial à válida instauração da ‘persecutio criminis’, desde que inexistente qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva em torno dos fatos debatidos, pode efetivar-se no âmbito estreito da ação de ‘habeas corpus’.”
(RTJ 168/853, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Em consequência de tal entendimento, esta Suprema Corte, ainda que em bases excepcionais, tem igualmente reconhecido mostrar-se viável a própria extinção de procedimentos penais instaurados pelo Estado, quer se trate de investigação policial (HC 86.120/SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, v.g.), quer se cuide de processo penal (RTJ 93/1018, Rel. Min. SOARES MUÑOZ – HC 75.578/RJ, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA – HC 81.324/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM – HC 83.674/SP, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, v.g.):
“‘Habeas Corpus’. (…). Trancamento de inquérito policial. Só cabe, excepcionalmente, quando, ‘prima facie’, se verifica ocorrer constrangimento ilegal. (…).”
(HC 66.277/DF, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA – grifei)
“(…) – O trancamento de inquérito policial pode ser excepcionalmente determinado em sede de ‘habeas corpus’, quando flagrante – em razão da atipicidade da conduta atribuída ao paciente – a ausência de justa causa para a instauração da ‘persecutio criminis’.”
(HC 71.466/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Vê-se, portanto, que a pretensão jurídica ora em análise não encontra obstáculo no magistério jurisprudencial desta Corte, o que torna possível a apreciação da controvérsia penal veiculada na presente impetração, especialmente se se considerar a alegação de que o caso em exame traduziria hipótese de responsabilidade penal objetiva, tendo em vista a suposta ausência, na espécie, da relação de causalidade – tanto objetiva quanto subjetiva – entre o “eventus damni” (resultado) e a conduta do agente, fundada em sua condição de “Presidente e administrador” do Complexo Hopi Hari.
Tenho para mim, examinada a questão nos termos propostos pelo ilustre impetrante, que se mostra correto o acórdão emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que concedeu a ordem de “habeas corpus” para extinguir a persecução penal instaurada contra o ora paciente:
“I. Despicienda a análise aprofundada do conjunto probatório, pois a análise do pleito do Ilustre Impetrante prende-se à compreensão lógico-formal do que já consta da própria denúncia no tocante ao Paciente.
II. A questão tange à aferição do quanto da estrutura hierárquica do Parque ‘Hopi Hari’ pode ser responsabilizado criminalmente por ter dado causa direta e eficiente à morte da jovem Gabriela Yukai Nychymurano naquela manhã do dia 24 de Fevereiro de 2012. Afinal, foram denunciados desde o paciente Presidente e administrador do Complexo até responsáveis diretos pela manutenção, fiscalização e operação do equipamento em que se deu o acidente, passando por escalões intermediários da estrutura administrativa do Parque.
III. Afinal, como bem asseverou o Ilustre Impetrante, cumpre evitar o ‘regresso ao infinito’ na responsabilização penal atinente ao caso concreto. Caso contrário, entraremos no pantanoso terreno da responsabilidade objetiva, que não tem guarida em sede penal.
IV. Por certo, numa atividade em que as funções se desenvolvem com observância a uma estruturação hierárquica pré-estabelecida e estável como a do Parque em questão, razoável crer que se cada um bem cumprir seu mister, por certo, a empreitada correrá a bom termo. Agora se alguém dentro desta cadeia hierárquica deixar de observar as cautelas a seu cargo, ou descurar de suas obrigações diretas e imediatas, poderá dar azo ao infortúnio, sem que com isto se possa lançar responsabilização penal aos que acreditavam, legitimamente, que aquele desidioso estava a bem cumprir seu dever. Trata-se, em última instância, de uma questão atinente à natural e necessária confiança que deve existir entre pessoas no seio de uma sociedade, de uma comunidade, de uma coletividade, ou mesmo, de uma empresa.”
(HC nº 2094135-82.2014.8.26.0000, Relator Designado Des. ALEX ZILENOVSKI – grifei)
Esse entendimento adotado pelo E. Tribunal de Justiça paulista nada mais reflete senão a própria orientação resultante de diretriz jurisprudencial que esta Corte Suprema e o E. Superior Tribunal de Justiça firmaram em situações análogas ao caso ora em exame, no sentido de que a mera condição de sócio ou de dirigente de uma sociedade empresária não basta para autorizar, por si só, o reconhecimento da responsabilidade penal de seu administrador ou de seu ”Chief Executive Officer - CEO” (HC 51.837/PA, Rel. Min. NILSON NAVES – HC 80.549/SP, Rel. Min. NELSON JOBIM – HC 88.875/AM, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 89.427/BA, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 107.187/SP, Rel. Min. AYRES BRITTO – HC 109.782/SP, Rel. Min. JANE SILVA (Desembargadora convocada do TJ/MG) – HC 294.728/SP, Rel. Min. ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ – RHC 794/SP, Rel. Min. COSTA LEITE – RHC 85.658/ES, Rel. Min. CEZAR PELUSO, v.g.):
“’Habeas Corpus’. 2. Responsabilidade penal objetiva. 3. Crime ambiental previsto no art. 2º da Lei nº 9.605/98. 4. Evento danoso: vazamento em um oleoduto da Petrobras 5. Ausência de nexo causal. 6. Responsabilidade pelo dano ao meio ambiente não-atribuível diretamente ao dirigente da Petrobras. 7. Existência de instâncias gerenciais e de operação para fiscalizar o estado de conservação dos 14 mil quilômetros de oleodutos. 8. Não-configuração de relação de causalidade entre o fato imputado e o suposto agente criminoso. 8. Diferenças entre conduta dos dirigentes da empresa e atividades da própria empresa. 9. Problema da assinalagmaticidade em uma sociedade de risco. 10. Impossibilidade de se atribuir ao indivíduo e à pessoa jurídica os mesmos riscos. 11. ‘Habeas Corpus’ concedido.”
(HC 83.554/PR, Rel. Min. GILMAR MENDES – grifei)
“– A mera invocação da condição de diretor ou de administrador de instituição financeira, sem a correspondente e objetiva descrição de determinado comportamento típico que o vincule, concretamente, à prática criminosa, não constitui fator suficiente apto a legitimar a formulação de acusação estatal ou a autorizar a prolação de decreto judicial condenatório.
– A circunstância objetiva de alguém meramente exercer cargo de direção ou de administração em instituição financeira não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente persecução criminal.
– Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, ainda que se trate de práticas configuradoras de macrodelinquência ou caracterizadoras de delinquência econômica, a possibilidade constitucional de incidência da responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa (‘nullum crimen sine culpa’), absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do ‘versari in re illicita’, banida do domínio do direito penal da culpa. Precedentes.
.......................................................................................................
– Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.”
(HC 84.580/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
“Discriminar a participação de cada co-réu é de todo necessário (…), porque, se, em certos casos, a simples associação pode constituir um delito ‘per se’, na maioria deles a natureza da participação de cada um, na produção do evento criminoso, é que determina a sua responsabilidade, porque alguém pode pertencer ao mesmo grupo, sem concorrer para o delito, praticando, por exemplo, atos penalmente irrelevantes, ou nenhum. Aliás, a necessidade de se definir a participação de cada um resulta da própria Constituição, porque a responsabilidade criminal é pessoal, não transcende da pessoa do delinqüente (…). É preciso, portanto, que se comprove que alguém concorreu com ato seu para o crime.”
(RTJ 35/517, 534, Rel. Min. VICTOR NUNES LEAL – grifei)
Isso significa, portanto, que não há como atribuir, no plano penal, responsabilidade solidária pelo evento delituoso, pelo só fato de o acusado pertencer ao corpo gerencial da empresa (RHC 50.249/RJ, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, v.g.).
É que se tal fosse possível – e não o é! –, estar-se-ia a consagrar uma inaceitável hipótese de responsabilidade penal objetiva, com todas as gravíssimas consequências que daí podem resultar, consoante adverte, em precisa abordagem do tema, o ilustre Advogado paulista (e antigo membro do Ministério Público de São Paulo) Dr. RONALDO AUGUSTO BRETAS MARZAGÃO (“Denúncias Genéricas em Crime de Sonegação Fiscal”, “in” Justiça e Democracia, vol. 1/207-211, 210-211, 1996, RT):
“Permitir a presunção de responsabilidade penal de alguém simplesmente porque faz parte de pessoa jurídica é punir por responsabilidade objetiva e inviabilizar a ampla defesa. É elevar à categoria de crime o fato de alguém ser diretor de empresa.” (grifei)
É preciso insistir, então, tal como já decidiu o Supremo Tribunal Federal, que a circunstância objetiva de alguém ostentar a condição de sócio ou de exercer cargo de direção ou de administração não se revela suficiente, só por si, para autorizar qualquer presunção de culpa (inexistente em nosso sistema jurídico-penal) e, menos ainda, para justificar, como efeito derivado dessa particular qualificação formal, a correspondente condenação criminal (RT 595/440-443, Rel. Min. RAFAEL MAYER – RTJ 87/70-76, Red. p/ o acórdão Min. CORDEIRO GUERRA – RTJ 127/877-883, Rel. Min. CÉLIO BORJA – RTJ 163/268-269, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
Não existe, no ordenamento positivo brasileiro, a possibilidade constitucional de reconhecer-se a responsabilidade penal objetiva. Prevalece, sempre, em sede criminal, como princípio dominante do sistema normativo, o dogma da responsabilidade com culpa (“nullum crimen sine culpa”), absolutamente incompatível com a velha concepção medieval do “versari in re illicita”, banida do domínio do direito penal da culpa.
Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.
Meras conjecturas sequer podem conferir suporte material a qualquer acusação estatal. É que, sem base probatória consistente, dados conjecturais não se revestem, em sede penal, de idoneidade jurídica, quer para efeito de formulação de imputação penal, quer, com maior razão, para fins de prolação de juízo condenatório.
Torna-se essencial reafirmar, portanto, a asserção de que, “Por exclusão, suspeita ou presunção, ninguém pode ser condenado em nosso sistema jurídico-penal”, consoante proclamou, em lapidar decisão, o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (RT 165/596, Rel. Des. VICENTE DE AZEVEDO).
Não foi por outro motivo que o eminente Ministro DIAS TOFFOLI, Relator da AP 527/PR, da qual fui Revisor, ao apreciar o tema relativo à responsabilidade penal objetiva, assim se pronunciou:
“(…) o fato de aparecer o denunciado, então prefeito municipal, como responsável pelo pagamento de ínfima parcela contratualmente ajustada não tem o condão de transformá-lo em agente do ilícito. Na minha concepção (…), não identifico, nos autos, indício de prova fora da responsabilidade penal objetiva, ou seja, indício concreto de que o denunciado tenha participado de qualquer ato que ensejasse sua intervenção corretiva para impedir a prática do delito (art. 13, § 2º, do Código Penal). (…).
O fato é que o exercício do cargo de prefeito municipal apresenta riscos próprios, sem dúvida (…). O risco, por si só (…), não é suficiente para a sua responsabilização penal, que seria, portanto, objetiva, o que é rechaçado por nosso ordenamento jurídico.” (grifei)
Idêntica orientação – convém relembrar – já havia sido adotada, nesse mesmo contexto, pelo extinto Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo (RT 501/302-303 – RT 601/338-340, v.g.), valendo destacar, por expressivo desse entendimento, o lamentável caso do incêndio culposo em “Vila Socó”, em Cubatão, na Baixada Santista/SP:
“AÇÃO PENAL – Falta de justa causa – Recebimento de denúncia oferecida contra o presidente da PETROBRAS – Incêndio culposo em ‘Vila Socó’ à sua culpa atribuído – Hipótese em que inexistia responsabilidade direta sobre a segurança e engenharia locais – Ausência de nexo causal entre a conduta do denunciado e o evento – Negligência inexistente na espécie – Trancamento – Concessão de ‘habeas corpus’ – Declarações de votos vencedor e vencido – Inteligência dos arts. 648, I, e 43, I, do CPP e 15, II, e 250, § 2º, do CP.
A ‘imputatio facti’ deve descrever, sem alternatividade, a modalidade de culpa atribuída ao denunciado no pórtico da ação penal, pois assim como não se admite, em Direito Penal, o ‘dolus generalis’, não há falar em culpa indeterminada em tema de crime culposo. A acusação há de ser certa e determinada, sob pena de surpresa e cerceamento de defesa.”
(RT 592/327-332, Rel. Juiz FORTES BARBOSA – grifei)
Daí a objeção que expôs, sobre o tema e em outro caso, o saudoso Ministro ASSIS TOLEDO, para quem “Ser acionista ou membro do conselho consultivo da empresa não é crime. Logo, a invocação dessa condição, sem a descrição de condutas específicas que vinculem cada diretor ao evento criminoso, não basta para viabilizar a denúncia” (RT 715/526 – grifei).
Esse entendimento – que tem sido prestigiado por diversos e eminentes autores (DAMÁSIO E. DE JESUS, “Código de Processo Penal Anotado”, p. 40, 11ª ed., 1994, Saraiva; LUIZ VICENTE CERNICHIARO/PAULO JOSÉ DA COSTA JR., “Direito Penal na Constituição”, p. 83/84, item n. 8, 1991, RT; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, “Direitos e Garantias Individuais no Processo Penal Brasileiro”, p. 212/214, 1993, Saraiva; JOAQUIM CANUTO MENDES DE ALMEIDA, “Processo Penal, Ação e Jurisdição”, p. 114, 1975, RT, v.g.) – repudia as acusações genéricas, repele as sentenças indeterminadas e adverte, especialmente no contexto dos delitos societários, que “Mera presunção de culpa, decorrente unicamente do fato de ser o agente diretor de uma empresa, não pode alicerçar uma denúncia criminal”, pois “A submissão de um cidadão aos rigores de um processo penal exige um mínimo de prova de que tenha praticado o ato ilícito, ou concorrido para a sua prática. Se isto não existir, haverá o que se denomina o abuso do poder de denúncia” (MANOEL PEDRO PIMENTEL, “Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional”, p. 174, 1987, RT – grifei).
Foi precisamente a essa conclusão que chegou o MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da comarca de Vinhedo/SP, ao absolver o corréu Fábio Ferreira da Silva, gerente de planejamento e manutenção do Parque Hopi Hari – e, portanto, em situação análoga à do ora paciente –, conforme se verifica do seguinte fragmento da sentença proferida na Ação Penal nº 0002109-33.2012.8.26.0659, a propósito do mesmo evento delituoso:
“O acusado Fábio, gerente de planejamento e manutenção, não concorreu para a infração penal.
No Direito Penal, a responsabilidade é subjetiva, e a culpa deve ser determinada a partir da análise da conduta de cada agente em relação ao evento ocorrido e indesejado pelo tipo penal, não sendo possível a responsabilização penal do agente somente por sua posição hierárquica ou função técnica dentro do grupo ou sociedade a que pertence.
O acusado Fábio não interveio no equipamento.
As provas demonstram que o assento 4 da seção 3 do equipamento denominado Torre Eiffel do Parque Hopi Hari estava inoperante quando um técnico do Parque retirou o articulador do colete da cadeira inoperante para utilizá-la em outro assento da seção 1 do mesmo equipamento. As provas demonstram que o técnico deixou de travar o colete da cadeira inoperante que depois foi ocupada pela vítima e da qual esta caiu durante o movimento de descida da atração e após a abertura do colete de proteção (fls. 314/343 e 1796).
O acusado Fábio se comportou regularmente no caso concreto e tinha a justa expectativa de que os acusados Adriano, Marcos e Lucas se conduziriam de acordo com o dever de cuidado objetivo, adotando as cautelas necessárias e as regras de suas profissões.
As intervenções anteriores no equipamento que culminaram com o travamento e a inoperância da cadeira não concorreram para que o evento ocorresse. As provas, em especial as várias declarações colhidas durante a instrução processual, demonstram que o equipamento, enquanto mantida a inoperância da cadeira 4 da seção 3, foi utilizado com segurança por vários anos.
As intervenções anteriores no equipamento, o travamento da cadeira ou mesmo o aproveitamento de peças da cadeira inoperante em outros assentos não violavam normas legais e não criaram riscos acima daqueles permitidos porque enquanto inoperante a cadeira ela não poderia ser utilizada e, sem uso, nenhum acidente relacionado ao assento travado poderia ocorrer.” (grifei)
Na hipótese em exame, o ora paciente foi denunciado pela suposta prática do delito previsto no art. 121, § 3º, c/c o art. 121, § 4º, primeira parte, ambos do Código Penal, nos seguintes termos:
“ARMANDO PEREIRA FILHO (qual. a fls. 421), Presidente e administrador do complexo, cumulava as funções de gerente geral de operações. Tinha conhecimento da desativação da cadeira. Sabia das trágicas consequências se um visitante viajasse no citado assento. Deveria e poderia ter evitado o resultado morte se ordenasse a eficaz interdição da cadeira, seja retirando-a da atração (já que jamais poderia ser operada), seja mediante a colocação de sinais ou avisos ostensivos alertando os visitantes da inoperância. Da mesma forma, poderia e deveria ter determinado a colocação do cinto na cadeira nº 4 da seção 3, providência que seria suficiente para evitar a morte. Essas omissões, negligentes, foram decisivas, ficando claro o nexo de não evitação entre a inação do garantidor e o resultado morte (previsível). O exercício da sua função contra a lei não pode (sem absurdo) isentá-lo de responsabilidade.” (grifei)
A leitura da peça acusatória, no entanto, permite constatar que o Ministério Público, ao formular acusação imperfeita, não só deixou de cumprir a obrigação processual de promover descrição precisa do comportamento do paciente, como se absteve de indicar fatos concretos que o vinculassem ao resultado narrado na denúncia, desconsiderando, por completo, o que dispõe o art. 13, “caput”, do CP, que exige, para efeito de imputação a alguém de determinado evento delituoso, que se demonstre a existência do necessário nexo causal, pois, tal como se pronunciam jurisprudência e doutrina (CELSO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO, ROBERTO DELMANTO JUNIOR e FABIO M. DE ALMEIDA DELMANTO, “Código Penal Comentado”, p. 132, 8ª ed., 2010, Saraiva), “Sem que haja relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o resultado morte, não pode ele ser responsabilizado por esta (TACrSP, Julgados 78/210; RT 529/368), sendo inadmissível, no Direito Penal, a culpa presumida ou a responsabilidade objetiva (STF, RTJ 111/619) (…)” (grifei).
Cumpre ter presente, neste ponto, a advertência constante do magistério jurisprudencial desta Suprema Corte, que enfatiza a indispensabilidade de o Ministério Público, ao deduzir a imputação penal, identificar, na peça acusatória, com absoluta precisão, não só a participação individual do agente, mas, também, a descrição do nexo de causalidade que o vincula, objetiva e subjetivamente, ao evento delituoso, em ordem a que se evidencie, ainda que na perspectiva do órgão estatal incumbido da “persecutio criminis”, que o imputado teria praticado ou teria concorrido para o cometimento do crime.
No caso sob análise, verifica-se, precisamente na linha do que sucedeu com o corréu absolvido (Fábio Ferreira da Silva), que o paciente também não concorreu para a infração penal que lhe foi imputada, eis que não ordenou a liberação da cadeira desativada nem praticou, quanto a ela, ato algum que lhe suspendesse a interdição, assim como não interveio no equipamento em que ocorreu o terrível acidente, sendo certo, ainda, que referido paciente também nutria a justa expectativa de que os empregados do Parque se comportassem de acordo com suas responsabilidades profissionais que lhes impunham a obrigação jurídica de observar e de cumprir as normas de cautela e as regras técnicas inerentes às atribuições que diretamente lhes incumbiam no que se refere à manutenção do brinquedo denominado “Torre Eiffel” do Parque Hopi Hari.
Daí a crítica inteiramente procedente do eminente impetrante, Dr. Alberto Zacarias Toron, que destacou, presente o contexto ora em exame, não ser possível que se imputasse ao ora paciente o fato resultante da conduta irregular dos empregados do Parque Hapi Hori diretamente incumbidos de proceder à manutenção, fiscalização e operação do equipamento no qual se deu o trágico acidente:
“A ideia central do d. voto condutor do julgado paulista e do voto vencedor é que, a partir da leitura da própria denúncia, além de a interdição da cadeira onde os funcionários, indevidamente, permitiram que a vítima se sentasse, ter sido eficaz por mais de dez anos, o acidente fatal decorreu, como causa direta, da negligência dos funcionários, situação imprevisível para o paciente, haja vista os DEZ anos sem acidente!
De fato, a denúncia indica antecedentes causais – gravíssimos, inéditos e insólitos – ligados exclusivamente ao comportamento dos funcionários da manutenção e operadores, vale dizer:
i. a falha de JULIANO e ADRIANO, que esqueceram de travar o colete, ‘DETERMINANTE PARA O TRÁGICO EVENTO’ (den. p. 8);
ii. a do supervisor LUCAS, que, mesmo avisado por meio da operadora AMANDA (den. p. 9), ordenou o prosseguimento do funcionamento da atração; e
iii. a do operador MARCOS, que, mesmo avisado pela mãe da vítima, permitiu que esta se sentasse na cadeira sem cinto e sem observar o destravamento do colete de proteção (den. p. 10 – doc. 5).
Estes acontecimentos, por si sós, foram decisivos para a ocorrência do acidente. O paciente, como Presidente do Parque e seu gerente geral, pelo decurso do tempo (10 anos) e treinamento oferecido aos funcionários (a denúncia não lhe imputa qualquer deficiência no treinamento), tinha razões de sobra para confiar que os funcionários não descurariam dos cuidados ordinários, os quais, insista-se, nunca, até então, tinham sido abandonados.
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Se os funcionários do Parque tivessem se comportado como se esperava – coisa que, diga-se, sempre fizeram nos últimos dez anos – o acidente não teria ocorrido. E como explica JUAREZ TAVARES, ‘ninguém em princípio deve responder por ações defeituosas de terceiros, mas, sim, até mesmo pode confiar em que atendam todos os outros aos respectivos deveres de cuidado’, é evidente que ARMANDO, o paciente, não pode ser responsabilizado pela culpa dos demais. Dito de outra maneira, o paciente, por não ser onisciente e onipresente, não poderia controlar e fiscalizar a centena de funcionários do Parque em cada operação, dentre as muitas ali existentes. Aliás, nem a denúncia lhe atribui esse suposto dever de cuidado.
Do ponto de vista do paciente, era-lhe absolutamente imprevisível a ocorrência do acidente, como também das inúmeras falhas de conduta profissional do pessoal da manutenção e dos operadores. (…).” (grifei)
Esse aspecto, de inegável relevância em sede penal, foi bem examinado no acórdão proferido pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como registrou o substancioso e consistente voto do eminente Desembargador ALEX ZILENOVSKI:
“Emergem da própria denúncia as descrições fáticas que permitem aferir que inexiste justa causa para a ação penal contra o Paciente ARMANDO PEREIRA FILHO, presidente e administrador do Parque Temático ‘Hopi Hari’ quando do lamentável episódio.
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Emerge da exordial acusatória que por uma década as providências tomadas para impedir o acesso das pessoas à aludida cadeira do referido equipamento se mostraram eficazes, tanto que não há registro da ocorrência de outro acidente da espécie.
Assim, respeitados os cuidados até então tomados pelo Parque, demonstrava-se imprevisível a alguns que alguém usasse tal cadeira no tal equipamento. Destarte, não havia como exigir do Paciente – Presidente e Administrador do Complexo, que, segundo a denúncia, dividia as funções de gerente geral com FLÁVIO – o cumprimento de outras cautelas, eis que para ele era imprevisível o evento diante das experiências eficazes até então vivenciadas. Não há como vislumbrar, assim, a acenada negligência do Paciente, que teria ensejado o acidente fatal.
Dado o fato de que por cerca de 10 anos as providências tomadas pelo Parque relativamente à interdição da aludida cadeira do tal equipamento foram eficazes para evitar um acidente, razoável crer que – se tivessem sido observadas as cautelas habituais até então tomadas – o evento não teria ocorrido.
Os cuidados habituais até então tomados pelo Complexo foram eficazes para evitar um acidente naquele equipamento, e isto se desenrolou por uma década, de modo que é lícito crer que não eram exigíveis ou vislumbráveis outras cautelas ou deveres para evitar um acidente como aquele ora tratado.
Cumpre notar que dentro da estrutura hierárquica regular do Parque, havia aqueles incumbidos de zelar pelas rotinas normais de manutenção e fiscalização dos equipamentos e de seu uso pelos visitantes, não sendo razoável entrever nestas operações da ponta final – junto aos consumidores – a responsabilidade direta do Paciente, Presidente e Administrador do Complexo, que dividia as funções de gerente geral de operações com o corréu, que teve sua ação trancada, conforme já exposto.
Ademais, dado o caráter extraordinário das ocorrências havidas no dia dos fatos, que ensejaram o uso indevido da tal cadeira do tal brinquedo pela infeliz vítima, não há como atribuir ao Paciente a ciência dos acontecimentos, que fugiram à normalidade que já vinha de uma década. Assim, se o Paciente não tinha como prever o uso indevido do tal equipamento, não há como exigir dele ação que pudesse evitar o ocorrido, que consistiu fato anormal dentro de cerca de uma década.
Afinal, ao longo deste período, estima-se que milhões de usuários tenham se divertido naquele brinquedo – ‘Torre Eiffel’ –, sem problemas, o que traduz a conclusão de que as providências tomadas pelo Paciente e a seu cargo, no tocante à inoperância daquela cadeira de nº 04 da seção 03 (travamento do chamado colete baixado e retirada do cinto de segurança), foram eficazes.” (grifei)
Disso resulta, segundo penso, a constatação de que se tornava realmente inadmissível imputar o evento delituoso ao ora paciente, considerada a plena ausência, na espécie, do necessário nexo de causalidade material que pudesse vincular o resultado letal ocorrido a uma particular conduta individual de Armando Pereira Filho.
Como relembrado pelo impetrante, já tive o ensejo de acentuar, em voto proferido no RE 130.764/PR (no qual se discutia, entre outros elementos, o tema do nexo causal, ainda que em perspectiva civil), que se revela de essencial importância a questão da relação de causalidade entre o comportamento do agente e a consumação do dano.
Vale enfatizar, no ponto, a visão exposta pelo magistério doutrinário (DAMÁSIO DE JESUS, “Código Penal Anotado”, p. 56, 23ª ed., 2016, Saraiva), segundo a qual causa “é toda condição do resultado”, de tal modo que a projeção dos antecedentes causais no tempo revela-se fator obstativo de configuração do necessário e imediato liame etiológico entre o comportamento do agente e a consumação do dano causado a terceira pessoa.
Todos esses argumentos, ressaltados tanto na impetração quanto no voto condutor do julgamento emanado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, põem em evidência o princípio da confiança, cuja incidência, notadamente nos delitos culposos, permite que se reconheça a existência de limitação ao dever de cuidado, em ordem a possibilitar a exclusão da responsabilidade penal do agente em relação a fatos e a situações que se projetem para além da obrigação jurídica (legal ou contratual) que sobre ele incide.
Extremamente preciso, a esse respeito, o magistério de JUAREZ TAVARES (“Teoria do Crime Culposo”, p. 313/314, item n. VI, 3ª ed., 2009, Lumen Juris), cuja lição confere realce a esse importante postulado em sede penal:
“Segundo este princípio, todo aquele que atende adequadamente ao cuidado objetivamente exigido, pode confiar que os demais coparticipantes da mesma atividade também operem cuidadosamente. A consequência da aplicação deste pensamento no direito penal será a de excluir a responsabilidade dos agentes em relação a fatos que se estendam para além do dever concreto que lhes é imposto nas circunstâncias e nas condições existentes no momento de realizar a atividade. Em face disso, pode-se compreender o princípio da confiança sob dois aspectos: como critério limitador do dever concreto de cuidado ou como delimitador do risco autorizado, conforme se dê, respectivamente, maior ênfase à estrutura normativa ou aos contornos empíricos da norma proibitiva. Na verdade, tanto em um como em outro caso, as soluções conduzirão ao mesmo desfecho, que será o de limitar a incidência da norma criminalizadora ao caso concreto. (…).” (grifei)
Vale destacar, por oportuno, que o ilustre impetrante, ao expor suas razões, demonstrou, a partir de base empírica revelada nos autos, que o paciente nutria justa expectativa de que os empregados do Parque estavam cumprindo, como já o faziam há 10 (dez) anos, a determinação de bloqueio e interdição da cadeira de onde a vítima foi tragicamente lançada!
Na realidade, cumpria aos empregados diretamente envolvidos na fiscalização, manutenção e operação do aparelho a observância do dever de cuidado, como precedentemente por mim enfatizado, tendo em vista a circunstância, juridicamente relevante, de que esse específico encargo profissional compunha o plexo de atribuições funcionais de referidos empregados.
Extremamente pertinente, desse modo, a invocação, pelo impetrante, do princípio da confiança, a que anteriormente aludi, como se vê de fragmento, a seguir reproduzido, constante da petição de impetração do presente remédio constitucional:
“Se os funcionários do Parque tivessem se comportado como se esperava – coisa que, diga-se, sempre fizeram nos últimos dez anos – o acidente não teria ocorrido. E como explica JUAREZ TAVARES, ‘ninguém, em princípio, deve responder por ações defeituosas de terceiros, mas, sim, até mesmo pode confiar em que atendam todos os outros aos respectivos deveres de cuidado’, é evidente que ARMANDO, o paciente, não pode ser responsabilizado pela culpa dos demais. Dito de outra maneira, o paciente, por não ser onisciente e onipresente, não poderia controlar e fiscalizar a centena de funcionários do Parque em cada operação, dentre as muitas ali existentes. Aliás, nem a denúncia lhe atribui esse suposto dever de cuidado.
Do ponto de vista do paciente, era-lhe absolutamente imprevisível a ocorrência do acidente, como também das inúmeras falhas de conduta profissional do pessoal da manutenção e dos operadores. (…).” (grifei)
Nem se diga, finalmente, que a mera invocação da “teoria do domínio do fato”, tal como aperfeiçoada por CLAUS ROXIN (“Autoria y Domínio del Hecho”, 7ª ed., p. 149, 2000, Marcial Pons), poderia conferir, só por si, suporte legitimador à ação persecutória promovida contra o ora paciente, pois, ainda que se pudesse considerá-la aplicável ao caso (o que se alega por mero favor dialético), mesmo assim impor-se-ia a efetiva demonstração da autoria e do nexo causal entre conduta e resultado, tal como enfatizei em voto proferido na AP 470/MG.
Cabe insistir na observação – que então fiz naquela oportunidade – de que a mera invocação da teoria do domínio do fato não basta para exonerar o Ministério Público do gravíssimo ônus de comprovar, licitamente, para além de qualquer dúvida razoável, os elementos constitutivos da acusação (autoria, materialidade e existência de nexo causal), de um lado, e a culpabilidade do réu, de outro, pois – nunca é demasiado reafirmá-lo – o princípio do estado de inocência, em nosso ordenamento jurídico, qualifica-se, constitucionalmente, como insuprimível direito fundamental de qualquer pessoa, que jamais se presumirá culpada em face de imputação penal contra ela deduzida, tal como esta Suprema Corte tem sempre proclamado (ADPF 144/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC 93.883/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.):
“(…) A PRESUNÇÃO CONSTITUCIONAL DE INOCÊNCIA IMPEDE QUE O ESTADO TRATE COMO SE CULPADO FOSSE AQUELE QUE AINDA NÃO SOFREU CONDENAÇÃO PENAL IRRECORRÍVEL.
– A prerrogativa jurídica da liberdade – que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) – não pode ser ofendida por interpretações doutrinárias ou jurisprudenciais que, fundadas em preocupante discurso de conteúdo autoritário, culminam por consagrar, paradoxalmente, em detrimento de direitos e garantias fundamentais proclamados pela Constituição da República, a ideologia da lei e da ordem.
Mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, e até que sobrevenha sentença penal condenatória irrecorrível, não se revela possível – por efeito de insuperável vedação constitucional (CF, art. 5º, LVII) – presumir-lhe a culpabilidade.
Ninguém, absolutamente ninguém, pode ser tratado como culpado, qualquer que seja o ilícito penal cuja prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado.
O princípio constitucional do estado de inocência, tal como delineado em nosso sistema jurídico, consagra uma regra de tratamento que impede o Poder Público de agir e de se comportar, em relação ao suspeito, ao indiciado, ao denunciado ou ao réu, como se estes já houvessem sido condenados, definitivamente, por sentença do Poder Judiciário. Precedentes.”
(HC 95.290/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Cumpre afastar, ainda, por uma outra singular razão, a possibilidade de estender-se a teoria do domínio do fato aos crimes culposos, para efeito de reconhecimento da responsabilidade penal do ora paciente.
É que, tratando-se de crime culposo (como sucede no caso), o próprio magistério da doutrina (ROGÉRIO GRECO, “Curso de Direito Penal – Parte Geral”, p. 538, item n. 4.4, 19ª ed., 2017, Impetus; LUIZ REGIS PRADO, “Curso de Direito Penal Brasileiro”, vol. 1/571 e 573, item n. 2.1, 11ª ed., 2012, RT; CLEBER MASSON, “Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/572, item n. 31.5.1, 10ª ed., 2016, Método; DAMÁSIO E. DE JESUS, “Teoria do Domínio do Fato no Concurso de Pessoas”, p. 27, item n. 6, 2ª ed., 2001, Saraiva, v.g.) entende inaplicável referida teoria ao âmbito do concurso de pessoas nos delitos perpetrados com culpa “stricto sensu”.
Vale ter presente, no ponto, a advertência de FERNANDO CAPEZ (“Curso de Direito Penal – Parte Geral”, vol. 1/319, 7ª ed., 2004, Saraiva), para quem “a teoria do domínio do fato não explica satisfatoriamente o concurso de agentes no crime culposo”, pois, segundo referido autor, nos delitos culposos, “o agente não quer o resultado, logo não pode ter domínio final sobre algo que não deseja” (grifei).
Lapidar, sob tal aspecto, a autorizada lição de CEZAR ROBERTO BITENCOURT (“A teoria do domínio do fato e a autoria colateral”, Revista Conjur, edição de 18/11/2012), que, ao referir-se ao tema da teoria do domínio do fato, em coautoria, acentua que “O âmbito de aplicação da teoria do domínio do fato, com seu conceito restritivo de autor, limita-se aos delitos dolosos. Somente nestes se pode falar em domínio final do fato típico, pois os delitos culposos caracterizam-se exatamente pela perda desse domínio” (grifei).
Sendo assim, e em face das razões expostas, defiro o presente “habeas corpus”, para, cassando o acórdão proferido pelo E. Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.502.544-AgRg/SP), restabelecer a decisão emanada do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos autos do HC nº 2094135- -82.2014.8.26.0000, que determinou o trancamento do procedimento penal instaurado contra o ora paciente (Ação Penal nº 0002109-33.2012.8.26.0659, que tramita perante a 1ª Vara da comarca de Vinhedo/SP).
Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia desta decisão ao E. Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.502.544-AgRg/SP), ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (HC nº 2094135-82.2014.8.26.0000) e ao Senhor Juiz Federal da 1ª Vara da comarca de Vinhedo/SP (Ação Penal nº 0002109-33.2012.8.26.0659).
Arquivem-se estes autos.
Publique-se.
Brasília, 18 de maio de 2017.
Ministro CELSO DE MELLO
Relator
* decisão publicada no DJE em 22.5.2017.
8 a 12 de maio de 2017
Lei nº 13.440, de 8.5.2017 - Altera o art. 244-A da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 87, p.1 em 9.5.2017.
Lei nº 13.441, de 8.5.2017- Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para prever a infiltração de agentes de polícia na internet com o fim de investigar crimes contra a dignidade sexual de criança e de adolescente. Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 87, p.1 em 9.5.2017.
Lei nº 13.443, de 11.5.2017- Altera a Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000, para estabelecer a obrigatoriedade da oferta, em espaços de uso público, de brinquedos e equipamentos de lazer adaptados para utilização por pessoas com deficiência, inclusive visual, ou com mobilidade reduzida.). Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 90, p.2 em 12.5.2017.
Lei nº 13.444, de 11.5.2017- Dispõe sobre a Identificação Civil Nacional (ICN). Publicada no DOU, Seção 1, Edição nº 90, p.2 em 12.5.2017.
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O Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, e a ele compete, precipuamente, a guarda da Constituição, conforme definido no art. 102 da Constituição da República. É composto por onze Ministros, todos brasileiros natos (art. 12, § 3º, inc. IV, da CF/1988), escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada (art. 101 da CF/1988), e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação da escolha pela maioria absoluta do Senado Federal (art. 101, parágrafo único, da CF/1988). Entre suas principais atribuições está a de julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental decorrente da própria Constituição e a extradição solicitada por Estado estrangeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, STF - Supremo Tribunal Federal. Informativo 864 do STF - 2017 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 maio 2017, 17:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Informativos dos Tribunais/50302/informativo-864-do-stf-2017. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: STF - Supremo Tribunal Federal Brasil
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